Blog

Logo CFMV
Artigos

Nota Técnica 2025.002 muda a lógica de preços com a CBS e IBS

Paulo Silvestre1

Incluindo apenas oito novos campos no XML das notas fiscais, a Receita insere variáveis capazes de influenciar formação de preço, contratos e fluxo de caixa

Empresas entram na reta final antes da virada fiscal. A partir de 1º de janeiro de 2026, qualquer Nota Fiscal eletrônica que não preencher corretamente o grupo UB (Unidade de Benefício, criado
para concentrar as informações de apuração dos novos tributos CBS, IBS e Imposto Seletivo) será rejeitada. Muitos ainda tratam o tema como um ajuste técnico. Na prática, é uma mudança que mexe na base da formação de preços, na forma como contratos são estruturados e até no fluxo de caixa. Quem ainda não iniciou a adaptação está, de fato, atrasado.

O grupo UB e os campos recém-criados permitem que sistemas interpretem cada tag tributária, identifiquem município de ocorrência do fato gerador e calculem a liquidez tributária da venda.
Embora não exista um “motor de cálculo oficial em código aberto” divulgado pela Receita, o novo layout padroniza dados de forma que ferramentas internas ou de mercado possam simular o custo
tributário real. Erros de parametrização — como calcular CBS antes de IBS ou ignorar créditos — tendem a gerar diferenças perceptíveis no fluxo de caixa, especialmente quando o split payment
retém valores maiores que o previsto. Para quem vive de margens apertadas, essa diferença pode custar a competitividade.

Impactos que vão além da conformidade
No varejo, promoções vivem de centavos e milissegundos. Pequenos desvios percentuais podem corroer margem ao longo de períodos promocionais. Na indústria, o risco recai sobre o capital de giro: se insumos ou serviços ficam fora da base de crédito, a empresa antecipa tributo ao Tesouro até a compensação, o que pode significar financiar o fisco por semanas. Empresas que encaram essa transição apenas como obrigação fiscal estão ignorando o efeito silencioso no caixa e na rentabilidade.

Dados fiscais como vantagem competitiva
A padronização também permite associar o destino do IBS municipal a relatórios internos e, potencialmente, a métricas ESG. Embora não exista previsão oficial, empresas podem usar essa granularidade para demonstrar contribuição fiscal por município, agregando dados a relatórios de impacto social e ambiental. Esse nível de transparência, quando voluntariamente adotado, pode gerar valor reputacional e até melhorar condições de acesso a determinados financiamentos. Ignorar essa possibilidade é abrir mão de uma narrativa que o mercado e investidores já valorizam.

Integração com dados operacionais
Outra possibilidade estratégica é vincular dados de sistemas de chão de fábrica (MES) à apuração tributária. Ao atrelar consumo de matéria-prima ou energia à emissão da NF-e, é possível calcular créditos com maior precisão e reagir mais rapidamente a variações de insumos. Essa aplicação, porém, depende de integrações proprietárias e não faz parte das obrigações previstas na Nota Técnica. Para quem já investiu em digitalização de processos, essa é uma oportunidade de capturar valor imediato.

Desafios no omnichannel
No comércio integrado físico e digital, devoluções cruzadas podem gerar inconsistências se cada documento fiscal vinculado à transação emitir UB divergente. Um desenho tributário unificado para operações de venda e devolução reduz riscos de perdas na conciliação, especialmente em períodos de alto volume de trocas. O varejista que alinhar logística reversa e arquitetura fiscal evita custos invisíveis que corroem resultado.

Caminho para implementação segura

  1. Criar ambiente espelho com emissor atualizado, rodando lotes diários com produtos de maior margem para validar rejeições.
  2. Usar inteligência artificial ou rotinas de validação para limpar cadastros fiscais, começando pela curva A.
  3. Integrar o cálculo tributário ao simulador de margem, permitindo decisões com base em crédito líquido por SKU.
  4. Construir cenários de precificação com diferentes alíquotas e escalas de crédito setoriais, orientando renegociação de contratos e cláusulas de reajuste.

Empresas que concluírem ajustes até setembro de 2025 terão mais tempo para calibrar preços ao novo custo tributário e reduzir impactos de retenções no split payment. Isso também amplia a base
de dados para validar processos, evitando discussões de conformidade e otimizando auditorias.

O UB não é um detalhe de TI. É o ponto onde precificação, gestão de créditos, reputação fiscal e custo de capital se encontram. A obrigatoriedade começa em 1º de janeiro de 2026, mas quem
esperar a virada perde tempo — e margem. O executivo que enxergar o UB como alavanca estratégica vai transformar um ajuste fiscal em vantagem competitiva real, convertendo XML em performance, caixa e posição de mercado.

Nota Técnica 2025.002 disponível em hom.nfe.fazenda.gov.br